quarta-feira, 10 de março de 2010

História Comum

Cornélio era um cara daqueles que você não vê todo dia.

Acredito que poucos tenham, ou gostariam de ter, história semelhante.

Acostumado à uma vida de luxo, Cornélio sabia muito bem desde a tenra idade qual a profissão de sua mãe.

Sempre que alguém lhe perguntava, ele dizia quase que com orgulho: "Profissional do Sexo".

Sua mãe já tivera sido outrora uma das mulheres mais desejadas do bordel. Com o dinheiro ganho na prostituição levava uma vida sossegada e, mesmo tendo juntado um bom dinheiro durante sua vida, não cogitava abandonar o metiê.

Mas o tempo passou para ela assim como passa para mim e para você e, com o tempo, sua beleza e sua vitalidade foram se esvaindo. Aos poucos a bela e graciosa rapariga, sempre disputada à tapas pelos frequentadores do local, foi se tornando a balzaquiana e posteriormente a senhora das camélias.

O dono do bordel por respeito e consideração àquela que tantos dividendos havia lhe rendido mantinha-lhe na casa, apesar de ela já não chamar mais a atenção dos clientes.

Angustiada e decadente ela foi se entregando ao vício, o que só fez piorar a sua tão combalida aparência.

Aos poucos as noites em claro e o uísque vagabundo foram se tornando marcas em seu rosto. Com a bebida veio a decadência e a enfermidade.

Cornélio continuava sua vidinha de playboy no centro da cidade.

Acostumado aos exageros bebia, fumava e dirigia como louco.

Não foram poucas as multas que seu carro levou nos diversos radares da cidade, mas como o capitão da polícia já havia sido cliente dos préstimos de sua mãe, invariavelmente estas multas desapareciam misteriosamente.

Assim Cornélio podia andar despreocupado, cometendo suas barbaridades pela cidade, arriscando a sua vida e a vida de quem trafegava pelas vias e rodovias circunvizinhas.

Porém um dia, já debilitada pela cirrose que a acometera, a mãe do Cornélio foi convidada à se retirar do prostíbulo.

Educadamente o dono do bordel avisou o Cornélio da situação e pediu que ele viesse logo buscar sua querida mãezinha, pois ali não mais havia lugar para ela.

Cornélio, num misto de compaixão e incômodo, entrou em seu carro e acelerou como sempre. Quebrou todos os limites de velocidade, costurou por entre todos os carros da avenida. Atravessou vários sinais vermelhos, buzinou atrás dos carros de respeitavam o limite de velocidade e fez vários gestos obscenos para a aluna de auto-escola que andava seus primeiros metros e o pobre velhinho que dirigia sua Variant TL.

Ele, dono da cidade, não podia perder um minuto sequer. Tinha que buscar sua mãe e depois veria alguém para cuidar dela, uma enfermeira provavelmente, pois ele não queria ficar amarrado àquela velha doente.

Ao entrar na rodovia sem sinalizar e sem respeitar a placa de preferência, o carro de Cornélio foi colhido por uma carreta carregada com bobinas de aço.

O motorista da carreta até tentou desviar, frear seria impossível, mas não teve jeito. O carro de Cornélio foi esmagado por toneladas de carga e quase não se podia reconhecer seu rosto entre o ferro retorcido.

No dia do velório poucos se dispuseram à comparecer ao cemitério. Sua mãe já sem forças, foi impedida pelos médicos e os amigos de outrora não mais se interessavam por aquele que representava apenas algumas cifras no bolso.

Apenas uns poucos curiosos e o coveiro presenciaram o enterro daquele rapaz.

Mas uma lição ficou bem viva na cabeça de todos.

Sempre que um motorista estiver costurando o trânsito, atravessando o sinal vermelho, buzinando insistentemente atrás do seu carro, lembre-se que provavelmente é alguém indo buscar a mãe na zona.

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